CACIQUE E LIDERANÇAS TERENA ENTREGAM AO PROF. DR. ANTONIO CARLOS SANTANA DE SOUZA, COORDENADOR DO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO, PEDIDO DO CURSO DE GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E CULTURA TERENA PARA SER ENTREGUE A REITORIA Featured
Hoje (18/02), segunda etapa do curso de Especialização em Língua e Cultura Terena que acontece na UEMS de Campo Grande, o Prof. Dr. Antonio Carlos Santana de Souza, coordenador do curso, recebeu em reunião com alunos do curso que também são representantes das comunidades Terenas,
como cacique e lideranças políticas para ser entregue um pedido formal de curso de Graduação, Licenciatura em Língua e Cultura Terena. Foi um documento de três páginas assinados por todos em que solicita ao Reitor uma reunião para discutir a proposta de projeto pedagógico para a etnia Terena. O documento ainda agradece de forma enfática a Administração por viabilizar os curso, a parceria com a SEMED/CG e ao CEPAD – Centro de Pesquisa em Análise do Discurso ´por aceitar e desenvolver o projeto de especialização. Assinam o documento: Cacique Arcenio Francisco Dias, Alcery M, Gabriel, Rafael Antonio Pinto, Itamar José Pereira, Amarildo Júlio, Marinez Rodrigues, Sirvério Vitorino
Segue carta na íntegra:
"Campo Grande-MS, 25 de janeiro de 2107.
PARA:
PROF. DR. ANTÔNIO CARLOS SANTANA DE SOUZA
Coordenador da Especialização em Língua e Cultura Terena
Assunto: entrega de documento à Reitoria da UEMS.
Prezado Professor Doutor,
Primeiramente, nós queremos agradecer, em seu nome a UEMS de Campo Grande por acolher nossos anseios e nossas necessidades de formação acadêmica na área de ensino para que os Terena tenham uma educação melhor. Leve este agradecimento ao Senhor Reitor, ao Pró-Reitor de Pesquisa e Pós-Graduação e ao grupo do CEPAD coordenado pelo senhor e o Prof. Marlon Leal Rodrigues.
O objetivo desta carta é para que o senhor a leve em nosso nome este pedido a administração geral da UEMS como segue.
Nós Terena já somos muito agraciados pela UEMS, à medida que um pedido é realizado, temos outros sonhos que na UEMS deixa de ser sonho e se transforma e realidade. O sonho agora é ter uma graduação em “Língua e Cultura Terena” na modalidade de demanda social, como o Prof. Dr. Fábio Edir Costa dos Santos, Reitor, comentou quando visitou as turmas da Especialização, momento de alegria que se estendeu a toda comunidade Terena do Estado.
O nosso pedido vem atender a uma necessidade em conhecer não apenas a cultura e a ciência do “branco” como temos feitos nos cursos nas universidades, e por aproximação refletir sobre a nosso existência e nosso papel na sociedade.
Temos aprendido muito, mas ainda não temos um curso superior em que o tema e assunto central sejam a nossa própria história contada, analisada, refletida, divulgada e ensinada por nós mesmos nas escolas e em toda a sociedade. Neste sentido, somo um sem voz porque nossa história é uma pequena parte do que chamam brasileiros. Nem ao menos temos uma sistematização do que falam e escrevem sobre nós. Sabemos dos títulos e honrarias que ganham quando nos pesquisam. Isto tem nos dado visibilidade, mas ainda não somos nós que falamos, somos falados e não nos reconhecemos muitas vezes do que falam de nós. Por isto um curso dos Terena para os Terena se faz importante de forma histórica e social, além de fazer uma reparação histórica, não entenda como cobrança, mas uma reflexão sentimental.
O curso histórico de Pós-Graduação Lato Sensu em Língua e Cultura Terena assumido como desafio pelos professores do CEPAD, no início era um sonho, nós mesmos pensamos que seria mais uma proposta igual a tantas, mas aos poucos fomos sendo surpreendidos a cada reunião, a cada mensagem, a cada recado durante um ano e meio até que a UEMS juntamente com a SEMED assinaram e vimos o edital publicado. Ainda alguns de nós ficaram incrédulos com o edital, mas a cada homologação no site a incredulidade se transformava em alegria e emoção indescritíveis.
Na primeira semana de aula, muito de nós não conseguiu dormir e quando estávamos na UEMS em sala de aula, parecia que estávamos anestesiados. Se para a UEMS é mais uma atividade acadêmica no cumprimento de sua função social, para nós Terena é uma luta de uma vida de desejos e anseios porque também, boa parte do quadro de professores é nosso patrício, Terena ensinando Terena. Agradecemos por isso. O senhor jamais poderá sentir e imaginar o que é isso para os indígenas, em particular, muito particular para os Terena.
Como dissemos, a cada sonho realizado, temos créditos para o próximo. O Camarada Prof. Marlon diz que “o dia que a gente parar de sonhar é melhor morrer do que vive sem sonho” e nós não queremos morrer, queremos sonhar mais, queremos viver mais, queremos viver para ver um curso de graduação em que todo ele tenha a nossa vida, a nossa história, a nossa língua (nossa alma), nossas narrativas, nossas guerras, nossas derrotas, nossas alegrias, nossas conquistas, nossos costumes, pronunciar e escrever aquilo que falamos em Terena (muitos de nós já não falam a língua dos antepassados, e muito é triste). Queremos viver para ver e nossa cultura ensinada e contata com se conta e ensina a do “branco”, por nós mesmo. Queremos um espaço para ensinar a nossa versão da história de nós mesmos.
Gostaríamos de ser atendido porque temos muitos jovens que poderão aprender e aprender a ensinar a nossa própria cultura em um curso que é nossa história, é nossa vida como está sendo a Especialização que no título diz tudo. Temos muito mais do que cento e noventa inscritos que poderiam fazer a Especialização, mas os “não” são tantos que alguns desanimaram. A sua fala, Senhor Reitor, naquele dia em sala de aula foi transmitida para toda comunidade Terena, hoje não existe mais desanimados e incrédulos. Existe otimismo e euforia, estamos orgulhosos de ter um curso com o nosso nome e o Senhor nos deu outro sonho e a esperança. Agora queremos retribuir com a dança do “Passo da Ema” um cocar quando nos encontrarmos.
Hoje, temos uma juventude Terena indo para a universidade para ser professor, para aprender a ensinar aos nossos filhos a língua, a vida, a história e a cultura, mas ela não é contemplada de forma objetiva, tanto que se está na grade, é por força da lei, que obriga a ensinar e sabemos que muitos ainda ensinam obrigados, apenas para cumprir o curriculum. Assim não se ensina vida e nem se educação vida. O mesmo não acontece com a história e a língua do “branco”. Nos Terena não ouvimos o eco do passado quando estamos estudando na universidade para ser professor, mas os alunos “brancos” se reconhecem em cada letra, em cada som, em cada frase, poesia, romance, notícia etc. etc. Nós não nos reconhecemos apesar dos esforços em aprender o eco do passado dos outros.
Por isso, o curso de Especialização já nos emocionou e irá nos emocionar em cada encontro. A aula da Profa. Valéria F. Cardoso, em particular, nos mostrou como o som da língua Terena funciona, o seu desenho/letra, a diferença de um para outro, os esforços da língua, dos lábios, das cordas vocais para ser pronunciado e as inúmeras combinações. Não era uma aula de Língua Portuguesa ou qualquer outra aula, era a história dos nossos antepassados, o som que eles deixaram e que estamos perdendo gradativamente. Muitos dos que não falam mais, gostariam de falar, depois da aula de fonética e fonologia da Profa. Valéria, nós ficamos com um peso no coração de não falarmos e estamos decididos a falar, mas para isto a Especialização, apesar de carga horária ser grande, não cria condições suficientes. É a partir desta constatação que nasce o sonho, um grande sonho da Graduação em Língua e Cultura Terena, mas que um sonho, mais um guerra a ser travada sem armas, apenas com o coração, o sentimento, o desejo, a solidariedade, a compreensão dos “companheiros de viagem neste terra”, com nos diz um dia o Camarada Vermelho.
Os Terena estão nos dois Estados, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso e este sonho se alastrou em todas as aldeias, se antes erámos “doidos e iludidos” em acreditar que teríamos uma Especialização com o nosso nome, para ensinar nossa língua e cultura etc, e ainda com muitos professores Terena, hoje, a UEMS nos disse que podemos deixar de ser “doidos e iludidos” para ser guerreiros da esperança, lutadores da fé e da confiança.
Já pedimos ao Coordenador Prof. Dr. Antonio C. S. de Souza uma reunião para o dia 10 de março quando o Senhor estará na “aula inaugural” das Especializações com a SED. Esperamos, se sua agenda permitir, confirme a reunião conosco, queremos não apenas pedir de novo, não apenas colocar o cocar no Senhor e tirar fotografia, queremos que o senhor sinta apenas um pouco do que o curso Língua e Cultura Terena possa representar para nós, para nossos antepassados e para os futuros Terenas que irão nascer. Esperamos que veja em nos nossos olhos, em nossos silêncios e expressões que muitas vezes parecem distantes ou indiferentes, ela acaba por esconder o brilho de fé e esperança que temos em ter um professor graduado pela UEMS, formado em Licenciatura em Língua e Cultura Terena, e isto deve vir ainda em um diploma universitário. Sonhamos em ser como o “branco” que é formado na língua e cultura dele, queremos ser formado também e Língua e Cultura Terena, honrando nossos antepassados e homenageando os que viram.
Não há notícia entre nossos patrícios de haver algo assim aqui e em outro Estado, uma proposta como essa. Um curso de língua e cultura indígena especificamente para indígena. Queremos voltar a falar e a ensinar nossa língua e muito mais do que isto, como dizem outros dois senhores também, camaradas Antonio Carlos e Marlon: “é necessário aprender a pesquisar a nossa língua e cultura para compreender melhor e assim ensinar de forma adequada”, ou seja, precisamos nos formar em nossa língua para ensiná-la.
Gostaríamos de ficar falando mais e mais da nossa alegria do curso de Especialização e do nosso sonho de graduação em Língua e Cultura Terena para uma turma apenas.
Desculpe-nos se foi um pedido longo. Agradecemos sua atenção e estamos ansiosos por sua posição.
atenciosamente,
_________________________.
COMUNIDADE TERENA"
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